Não importa se uma civilização seja primitiva ou superdesenvolvida, existe um elemento comum em todos os povos de todas as épocas: o desejo de conhecer o futuro.
Sempre existiram métodos divinatórios – os chamados oráculos – adivinhos, profetas, profetisas, e toda sorte de recursos para fazer previsões de acontecimentos.
A questão ultrapassa o fato dos métodos serem ou não científicos, afinal de contas, a própria ciência procura antever os fenômenos naturais, sociais, antropológicos, astronômicos.
Científico ou místico, não importa, o fundamental é que de um jeito ou de outro, mesmo com todo desenvolvimento cultural, nós ainda queremos perscrutar o que vai acontecer em termos pessoais, empresariais, históricos, ecológicos, cósmicos.
Mudaram-se os tempos e os métodos, mas não as nossas necessidades.
Nesse sentido, qual seria a diferença entre usar oráculos como o Calendário Maia ou as novas descobertas da Astrofísica para conhecer o movimento do Cosmo?
No que difere analisar a estrutura do DNA do bebê ou usarmos o Tarô para saber se há possibilidades do nosso filho ter uma doença grave no futuro?
É a mesma coisa. No fundo, a ciência, a tecnologia, a cultura, o racionalismo, a psicologia e outras conquistas intelectuais não conseguiram eliminar algumas das necessidades básicas do ser humano como o anseio de prever o que nos aguarda o amanhã.
A vontade de lidar com o futuro é primordial, surgiu com o despertar da consciência humana. Historiadores atribuem as pinturas das cavernas do período paleolítico às práticas ritualísticas. Acredita-se que os primitivos pintavam homens e animais em situação de caça, e faziam cerimônias mágicas com intenção de antever o resultado. Como podemos ver, o futuro já era uma preocupação da mente ancestral.
Com o passar do tempo, as civilizações se desenvolveram e criaram outros meios simbólicos de adivinhação como a Astrologia, o Tarô, as Runas, o I Ching, os búzios, as borras de café, a leitura de vísceras de animais, a Radiestesia entre outros. Por outro lado, a ciência também evoluiu e criou instrumentos como a estatística, a probabilidade matemática, o monitoramento contínuo dos movimentos da Natureza para descobrir as tendências, e outros métodos para igualmente prever o futuro.
A grande questão é: o que leva as pessoas de todas as civilizações, antigas e contemporâneas, a procurar as diversas formas de previsão? O que está por trás desse fenômeno humano? Qual é a essência dessa necessidade?
CERTEZA E CONTROLE
No geral, temos muita dificuldade de lidar com as coisas imponderáveis e com a angústia das coisas que não conseguimos prever. Além disso, temos falta de confiança na vida e, como conseqüência natural, temos medo do futuro. Assim, fazemos qualquer coisa para aplacar nossa ansiedade. Por exemplo, consultamos uma vidente pra saber se o ex-namorado vai voltar. Ou procuramos um pesquisador de ponta pra conhecer as tendências mundiais em termos tecnológicos e mercadológicos. Ou, ainda, usamos simuladores para saber como estará a atmosfera terrestre na década que vem. O que os cientistas e toda a humanidade sentem é simplesmente a necessidade de ter certezas. A certeza dá um grande conforto, dá segurança, confiança. Ela alimenta nossa esperança, nos faz acreditar que valerá a pena e, teoricamente, nos instrumentaliza para lidarmos com os eventos futuros.
É natural termos necessidade de certezas. Queremos ter certeza por uma razão muito simples: desejamos que as coisas aconteçam da forma que estão previstas ou planejadas. O inesperado nos agonia. No fundo, queremos mesmo é ter controle sobre a vida. No entanto, os sábios chineses e todas as grandes tradições filosóficas nos lembram que só podemos ter algumas poucas certezas: a certeza da morte, a certeza de que tudo é mutável e impermanente, e o mais paradoxal de tudo, a certeza de que tudo é incerto. Na prática, se não estivermos conscientes dessas realidades básicas nem preparados para aceitar essa verdade, nossa vida pode se transformar num grande sofrimento.
O controle total sobre a vida é uma ilusão. O consultor empresarial e escritor George Patrão costuma fazer piada dessa visão, em suas palestras. Ele diz: “Nós controlamos, no máximo, 10% das coisas. Sobre os demais 100%, não temos controle nenhum!” Se não formos capazes de lidar com as coisas incontroláveis vamos sofrer à toa. Porque o que quer que façamos os fatos ocorrerão como têm de acontecer. Não por uma questão de “destino”, mas porque a vida e a Natureza têm suas próprias leis e elas não se dobram às nossas vontades. Quando as coisas que planejamos ou prevemos dão certo significa apenas que conseguimos alinhar nossa percepção e nossas ações com o movimento natural que já estava acontecendo. Não seria uma questão de previsão ou de controle, mas de adequação consciente ou inconsciente às circunstâncias em vigor. As coisas não nos ocorrem porque elas fazem parte do nosso “destino”, mas porque as circunstâncias nos levam aos acontecimentos.
DESTINO E FATALIDADE
Quando falamos em destino, as pessoas tendem a pensar em coisas como: “Foi Deus que quis”, “estava escrito”, é inevitável”, “não se pode fazer nada”, “é uma fatalidade”, “é uma coisa que tinha de acontecer”, “estava predefinido”, e outras idéias semelhantes. Destino não é bem isso. Em todos esses pensamentos populares o que predomina é o conceito de determinismo. Não existe destino nesse sentido.
No geral, a palavra destino é mal empregada. Ela perdeu seu significado mais objetivo e foi contaminada por conotações esotéricas e metafísicas. Curiosamente, no entanto, existe uma situação em que o termo destino é usado de forma perfeita em nosso dia-a-dia: nas viagens de metrô, de trem, de ônibus e aviões. No metrô, nos trens e ônibus lemos na placa: “Destino: tal lugar”. Nos aeroportos, ouvimos nos alto-falantes: “Atenção passageiros com destino à Brasília, queiram se dirigir à plataforma F”. Destino, então, significa direção. Isso é fundamental.
O fato da placa do metrô indicar “Destino: Jabaquara”, por exemplo, não significa que sejamos obrigados a descer na estação Jabaquara. Significa apenas que aquela linha vai em direção ao Jabaquara. Mas a qualquer momento podemos descer na estação que quisermos. Destino não é meta, não é ponto obrigatório de chegada. É só direção.
Antigamente, na época em que as embarcações à vela cruzavam os mares, os navegantes não possuíam bússola, GPS e outros instrumentos de navegação. A única forma de se orientarem eram os astros. Os homens do mar sabiam, por exemplo, que se navegassem em direção a uma determinada estrela estavam rumando para o Sudoeste. A estrela indicava a direção, mas não era um ponto de chegada. O navio não ia para aquela estrela, mas em direção àquela estrela. Direção é direção, direção não é meta, não é o ponto final. Destino é direção, não é meta nem final obrigatório.
Se não pensarmos em destino como direção, seremos obrigados a aceitar o determinismo, a fatalidade, a inevitabilidade do que já está pré-definido. Com idéias deterministas, em nenhum momento poderíamos escapar de um caminho obrigatório e seríamos apenas um joguete da vida, sem nenhuma possibilidade de ação, de decisão ou escolha.
No metrô, destino é direção porque podemos descer em qualquer estação. Na vida humana, destino é direção e não determinismo porque sempre temos livre-arbítrio.
LIMITE DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Livre-arbítrio significa liberdade de escolha, livre-decisão. É um conceito filosófico que encanta a humanidade desde os tempos remotos. Naturalmente, o encantamento por essa expressão se deve muito mais pela presença da palavra “livre” do que do termo “arbítrio”. Livre é não estar preso, é liberdade. E liberdade é um dos maiores desejos da alma humana. Todos gostam da palavra e da idéia de liberdade. Mas poucas pessoas gostam da palavra e da idéia de arbítrio. É compreensível. Arbítrio significa escolha, decisão. Ninguém gosta de estar numa situação de escolha e de decisão. Escolher significa deixar alguma coisa de lado, implica desapego. Decisão significa atitude e implica responsabilidade. É muito mais confortável pensar em liberdade do que em escolha ou decisão.
Por causa do comodismo, quando se pensa em livre-arbítrio, a nossa tendência é focar muito mais na liberdade do que na escolha. Por isso mesmo pensamos no livre-arbítrio como uma liberdade infinita para fazer o que bem quisermos. Mas isso é impossível. A liberdade não é infinita. As possibilidades humanas têm limites. O livre-arbítrio é limitado pelas circunstâncias. Necessariamente.
Etimologicamente, circunstância indica um espaço limitado. O prefixo circun significa “em torno de”, “em volta de”. O sufixo stancia quer dizer “área”, “âmbito”. Circunstâncias, então, indicam as coisas que estão ao nosso alcance, mostram os nossos limites, o âmbito de nossas decisões e ações.
Se já somos limitados pelas circunstâncias, temos de perceber que no livre-arbítrio o importante não é propriamente a liberdade, mas sim o arbítrio, a escolha, a decisão. Ou seja, o livre-arbítrio se fundamenta muito mais na escolha do que na liberdade. Enfim, se na vida não podemos fazer tudo porque existem limites, livre-arbítrio é, na verdade, uma responsabilidade diante das circunstâncias, muito mais do que possibilidades infinitas de ação.
Todos nós nascemos sob circunstâncias. É natural e inevitável. Quando viemos ao mundo, os eventos já aconteciam à revelia da nossa vontade. Não tivemos nem temos controle sobre todos os eventos. As circunstâncias são a nossa realidade, as coisas simplesmente são o que são.
Fatalidade não é o que vai nos acontecer. É o que já nos aconteceu. Fatalidade é a circunstância em que nascemos. Nascemos nesta época, nesse planeta, nesse país, com o pai e a mãe que temos, com a nossa constituição genética, nesse momento histórico, nessa realidade social, cultural e econômica, contemporâneo a estas pessoas que convivem conosco. Tudo o que existia, passou a existir, deixou de existir e ainda vai existir entre o momento do nosso nascimento e da nossa morte são as nossas circunstâncias. Não temos escolhas sobre essas coisas. Querendo ou não, estamos limitados por esses fatores objetivos. Não é possível mudar os fatos circunstanciais. Só é possível mudar nosso modo de encarar as coisas porque isso faz parte do nosso livre-arbítrio. Não é possível resolver questões que estão fora das nossas circunstâncias, mas apenas aquilo que está dentro do nosso alcance imediato.
MISSÃO DE VIDA: O CAMINHO MAIS FÁCIL
As circunstâncias correspondem ao terreno da vida. É a realidade “topográfica”, a base onde se manifesta nossa vida. Assim como num terreno a água corre pelo caminho mais fácil – e sempre existe um caminho mais fácil – na nossa vida também existe um caminho mais fácil diante das circunstâncias sob as quais nascemos e vivemos. E do mesmo modo que a água encontra uma determinada realidade geográfica onde já existe um caminho mais fácil por onde correr em direção ao mar, nós também nascemos numa determinada circunstância onde existe um caminho mais fácil para a nossa realização pessoal. A esse caminho mais fácil podemos chamar de missão de vida. O rio tem um destino, ou seja, uma direção. Cada um de nós também tem uma direção, uma missão, um serviço a cumprir.
O rio não precisa se esforçar para chegar ao mar. Não há nenhuma dificuldade em ir pelos declives e pelos caminhos abertos. Se formos pelo caminho mais fácil, não será nenhum esforço realizarmos nossa missão de vida. Ir pelo caminho mais fácil é fazer aquilo que nos dá alegria, aquilo que nos faz sentir realizados como seres humanos, o que nos gratifica, independentemente de termos ou não reconhecimento ou retornos materiais. Quando fazemos o que gostamos as coisas simplesmente fluem. Assim podemos colocar nossos melhores talentos à serviço da humanidade. É importante ter consciência de que só existe uma única missão de vida: servir.
Podem existir muitas atividades para cumprir nossa missão, mas a missão sempre a mesma: servir.
Nossa mente consciente não é capaz de perceber todos os detalhes da vida. Não é possível enxergarmos todos os objetos, fatos e variáveis envolvidos na nossa existência. Vivemos no chão e somos limitados por isso. Quando estamos no chão, só conseguimos ver as coisas à nossa volta. Mas quando sobrevoamos um local, temos uma visão mais ampla da realidade toda. Segundo o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, nosso inconsciente tem capacidade de “enxergar” muito mais do que a nossa consciência, como se estivesse sobrevoando todas as coisas que nos circundam. O inconsciente sabe como é o nosso terreno, sabe quais são as coisas que existem à nossa volta, mesmo que não sejamos capazes de ver conscientemente. Ele sabe qual é o nosso caminho mais fácil, qual é a nossa direção, a nossa missão de vida.
Jung defendia a idéia da perspectiva teleológica do nosso inconsciente. O psiquiatra queria dizer que a nossa psique está direcionada para um determinado fim, que é a realização da nossa missão de vida. O inconsciente tem uma perspectiva ampla das nossas circunstâncias e sabe quais são as pessoas, os livros, o momento e as situações que devemos entrar em contato para realizarmos nosso trabalho de realização pessoal, daquilo que Jung chamou de individuação. Dentro da visão teleológica, não deveríamos perguntar “por que” determinado fato nos acontece, mas sim “para que” acontece.
SINCRONICIDADE
Sabemos que estamos no caminho certo quando sentimos alegria em fazer determinada coisa, quando tudo flui como a água e quando nos acontecem coincidências muito significativas. Pode ser um encontro inesperado, mas que veio na hora certa, ou um livro que caiu nas nossas mãos justamente quando precisávamos ler determinada informação. Também podem ocorrer fenômenos de coincidência significativa numa consulta a instrumentos de exploração do nosso inconsciente como o Tarô, o I Ching, o Mapa Astral e as Runas. No geral, as coincidências significativas por meio de métodos divinatórios causam grande impacto sobre nossa psique, especialmente quando acontece a concretização daquilo que as pessoas entendem como “previsão”. A psicologia junguiana denomina esses fenômenos de fortes coincidências de “sincronicidade”.
Como já foi dito anteriormente, é fundamental lembrar que destino como determinismo não existe. Do mesmo modo, a previsão determinista também não existe. O que existe é uma direção, uma tendência natural. A Astrologia, o I Ching e outros oráculos não adivinham um futuro inevitável, mas apenas indicam uma predisposição diante das circunstâncias. Os oráculos dizem que a tendência ou a predisposição é que aconteça esse ou aquele fato, ou seja, que a direção natural é que as coisas aconteçam dessa ou daquela forma, mas não como uma fatalidade inescapável. Os oráculos indicam a existência de uma direção, mas a todo momento temos a capacidade de usarmos nosso livre-arbítrio.
Se acreditarmos no destino e na previsão como uma fatalidade, estaremos abrindo mão do livre-arbítrio. Se abrirmos mão do livre-arbítrio estaremos fugindo da nossa responsabilidade de decidir e de fazer escolhas. Não importa o que esteja nos acontecendo agora ou o que venha a nos acontecer no futuro, tudo será necessariamente conseqüência das escolhas que fizermos e das decisões que tomamos em cada situação, diante de cada circunstância. Por isso, o importante não são as previsões, já que elas não são deterministas, mas a capacidade de lidar com a nossa ansiedade e a nossa vontade ou presunção de controlar totalmente a vida. Precisamos ser capazes de acolher o inesperado e o imponderável com confiança e serenidade. A vida é um mistério e sempre vai pelo melhor caminho. Querendo ou não, temos de concordar com Vinícius de Morais: “a vida sempre tem razão”.
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Roberto Otsu é autor do livro “A SABEDORIA DA NATUREZA”, e “O CAMINHO SÁBIO” Editora Ágora, consultor de I Ching e professor de Taoísmo no Curso de Pós-graduação em Psicologia Transpessoal da Faculdade das Ciências da Saúde/SP.
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Site: www.robertootsu.com
Fone: (11) 9544-4385 – São Paulo/SP
Este texto foi publicado originalmente na Revista Nova Consciência