Quando o dia chega ao fim, as inúmeras luzinhas da comunidade se acendem, anunciando o cair da noite. Para a fictícia e paulistana Escola Estadual Carolina Maria de Jesus, ali inserida e guardada pela vida que pulsa ao seu redor, o breu também sinaliza o início de outro turno escolar. Enquanto os alunos que aproveitaram o dia para estudar estão em casa, preparando-se para o descanso, o horário noturno ganha um novo significado para aqueles que, por motivos diversos, tiveram que abandonar a escola quando mais novos. É neste cenário que as salas de aula da escola recebem os professores e os alunos do ensino noturno para jovens e adultos.
Carregado de contradições, carências e muitos desafios, o sistema é um reflexo da realidade daqueles que embarcam nessa empreitada: pessoas que precisam trabalhar duro durante o dia e resolvem encarar de frente uma dupla jornada para estudar à noite. Cada uma delas se desdobra em suas rotinas particulares, revelando delicados dramas individuais, mas, ao mesmo tempo, uma imensa força de vontade para estudar e buscar uma vida melhor. Neste contexto, cinco mestres se tornam exemplos para os seus alunos e ganham importância imensurável no dia a dia da escola. O diretor Jaci (Paulo Gorgulho); a professora de Língua Portuguesa, Lúcia (Debora Bloch); a professora de História e Geografia, Sônia (Hermila Guedes); a de Matemática, Eliete (Thalita Carauta); e o de Artes, Marco André (Silvio Guindane) são as figuras que sustentam a Escola Carolina Maria de Jesus e reacendem a esperança de quem, até então, precisou esperar para voltar a estudar.
Resistindo à evasão escolar, ao abandono institucional, à falta de reconhecimento e infraestrutura adequada e a todas as barreiras que insistem em atropelá-los sem qualquer pedido de licença, os cinco educadores encarnam o papel de missionários e lideram classes formadas por alunos de idades e perfis diversos, firmes no propósito de não titubear para cumprir a vocação de ensinar. Eles lutam contra as estatísticas e os julgamentos quando, de cabeça erguida, não desistem de mostrar aos alunos que vale a pena resistir às adversidades e, principalmente, que nunca é tarde para ter uma segunda chance.
Essa não é uma tarefa fácil, muito pelo contrário. Além do árduo trabalho, os cinco mestres carregam os problemas de suas próprias vidas, muitas vezes entrelaçadas aos acontecimentos do ambiente profissional. Mas na escola, lugar de sonhos e superação, o que levam para as salas de aula é a esperança, não apenas para os seus alunos, mas também para si mesmos.
‘Segunda Chamada’, uma coprodução entre a Globo e a O2 Filmes, joga luz sobre um tema que, desde sempre, é de extrema relevância social: o poder transformador da Educação. E, com o nome da escola, faz uma linda homenagem a Carolina Maria de Jesus, uma das principais escritoras negras do Brasil que só aprendeu a ler e escrever aos 30 anos.
Escrita por Carla Faour e Julia Spadaccini, com Maíra Motta, Giovana Moraes e Victor Atherino, a série conta com a direção artística de Joana Jabace e direção de Breno Moreira, João Gomez e Ricardo Spencer. A criação é de Carla Faour, Julia Spadaccini e Jo Bilac. Além de Débora Bloch, Paulo Gorgulho, Hermila Guedes, Thalita Carauta e Silvio Guindane, a trama ainda tem no elenco os atores Carol Duarte, Felipe Simas, Mariana Nunes, Nanda Costa, Linn da Quebrada, Otávio Müller, Marcos Winter, José Dumont, Caio Blat e Arthur Aguiar, entre muitos outros nomes no elenco.
A força de Lúcia e o apoio de Jaci
Para a professora Lúcia (Debora Bloch), a volta para a sala de aula e a chegada ao ensino noturno representam muito mais do que um novo horário de trabalho. Trata-se mesmo de um recomeço – ou uma tentativa disso –, depois de ter vivenciado uma situação traumática, que gerou um impacto profundo em sua vida e mudou completamente a maneira como a professora se relaciona com os seus alunos.
A morte de um estudante de outro turno, com quem Lúcia mantinha uma relação difícil e repleta de altos e baixos, fez com que a educadora se afastasse da escola para se recuperar emocionalmente e assimilar essa nova realidade. Depois de um tempo, ela recebe o aval psiquiátrico e, a convite de Jaci, retorna ao ofício, desta vez no turno da noite para ensinar Português a jovens e adultos.
Embora o trauma a tenha marcado de maneira definitiva, Lúcia possui uma força natural que a coloca em movimento novamente. A professora, apaixonada pela profissão, se agarra à chance de tentar fazer com que os alunos enxerguem na Educação um vislumbre de esperança por dias melhores. É nisso, aliás, que ela também deposita sua fé para prosseguir, uma vez que seus estudantes e a escola se transformam em combustível e missão de vida.
Do tipo persistente, a professora não desiste fácil e está sempre disposta a lutar e conversar com seus alunos para tentar ajudá-los e fazê-los rever preconceitos. A educadora é destemida e não descansa até tentar resolver situações que surgem dentro e fora na escola, a partir de seu apurado senso de justiça, igualdade e instinto materno.
Há momentos, porém, em que a força é sobreposta por choro, cansaço e intermináveis questionamentos sobre o que desencadeou o evento que tanto marcou seu passado. Afinal, apesar de seu caráter de heroína, Lúcia também é humana e as bagagens emocionais pesam até mesmo nos ombros dos mais corajosos. Somado a isso, um agravante: o fato de seu casamento não ser o mesmo há algum tempo e essa brecha emocional criar espaço para um envolvimento com Jaci (Paulo Gorgulho), sujeito prático e bem-intencionado, mas que é o diretor da escola. Em casa, assim como Lúcia, Jaci vive uma situação parecida. Paralisados em seus respectivos casamentos, eles desenvolvem um sentimento mútuo de admiração e de intensa paixão, mesmo que as diferenças levem, às vezes, desacordos. Manter essa relação devidamente escondida não será sempre fácil.
O encontro de Sônia e Marco André
Exausta. Assim é Sônia (Hermila Guedes), a professora de História e Geografia da Escola Estadual Carolina Maria de Jesus. Apesar de sua personalidade complexa e seus dramas domésticos, Sônia resiste aos obstáculos da educação pública e, a seu modo, também está disposta a ajudar seus alunos. Casada com Carlos (Otávio Müller), um sujeito tremendamente egoísta, ela é mãe de dois filhos pequenos e sustenta a família inteira, já que o marido, acomodado, não ousa levantar do sofá para ajudá-la.
Não bastasse a inércia perante a vida e o casamento, Carlos ainda é o estereótipo do machista, sempre disposto a depreciar a mulher e fazê-la sentir-se inferior. Para piorar o cenário, toda essa covardia muitas vezes se traduz em agressões físicas, o que, ao longo do tempo, fez com que Sônia criasse medos tão profundos a ponto de não conseguir tomar uma atitude definitiva. O resultado é o arrastar da frustração de casa para a escola, que nunca se apresentou como um fácil desafio.
Sem tempo de olhar para si mesma e se reconhecer enquanto a mulher potente que é, são os olhos de Marco André (Silvio Guindane), professor de Artes recém-chegado à escola, que cumprem esse papel. Por um erro da secretaria, ele é recebido no colégio como professor de Biologia e a confusão só é percebida quando o professor entra em sala de aula e se depara com uma realidade até então pouco conhecida. Julgando ser uma disciplina completamente dispensável para o currículo dos alunos, Jaci destitui Marco André. Mas o novato não aceita e insiste em ficar, convencendo de maneira definitiva o prático diretor, para o espanto de todos – à primeira vista, o professor de Artes não se encaixa no mundo cheio de precariedades no qual se insere uma escola da rede pública.
Acostumado a transitar por um universo mais erudito e a frequentar locais de cunho elitista, ele se difere um pouco do restante dos colegas. O motivo de tamanha insistência em fazer parte daquele mundo só é entendido quando um detalhe de sua história de vida vem à tona: se não tivesse sido adotado por uma família com boas condições financeiras, sua situação socioeconômica não seria muito diferente de seus novos alunos. A partir desse fato e de um interesse enorme em fazer com que a arte reforce a transformação na vida das pessoas, Marco André consegue de alguma forma ganhar a simpatia das classes e a se enturmar com os novos colegas de profissão, especialmente com Sônia. No dia a dia, os dois começam a compartilhar momentos que ficam registrados na memória, o que faz surgir uma grande e intensa amizade. Com o passar do tempo, as chances desse sentimento evoluir começam a crescer.
A alegria e a espontaneidade de Eliete
Um contraponto à carga dramática que circula pelas salas de aula é Eliete (Thalita Carauta), uma professora de Matemática alto astral, agilizada e boa praça. Cheia de disposição, ela costuma tratar seus alunos de igual para igual e se entende muito bem com eles, já que, em comum com os estudantes, tem também o fato de ser moradora da comunidade que rodeia a escola. Por isso, dos professores, é a figura que mais entende a rotina, as alegrias e os problemas que os alunos vivem no local.
Eliete escolhe vestir um sorriso todos os dias e a sua luz é um suspiro na esfera dura e cheia de dramas da escola. Sempre a fim de um bom papo, a professora também é muito próxima de Sônia e sonha em ver a amiga despertando e reconhecendo sua força interior. Para se sustentar, além de dar aulas, está sempre com sua sacola de muambas a tiracolo. E acaba se envolvendo em um triângulo amoroso que surge sem intenção, dentro da escola.
As salas de aula: um microcosmo do Brasil
Em turmas que reúnem pessoas dos mais variados perfis e idades – dos 17 aos 70 anos –, não faltam histórias e situações igualmente diversas e emocionantes. Esta é a realidade que envolve o ensino noturno da Escola Estadual Carolina Maria de Jesus, liderado pelo diretor Jaci e pelo corpo de professores.
Nas carteiras das salas de aula, sentam-se pessoas como Natasha (Linn da Quebrada), uma transexual que acredita ser merecedora de uma vida melhor e por isso luta dia após dia para ser respeitada e poder viver sem a preocupação de se defender das constantes agressões verbais e físicas, inclusive dentro da escola.
Gislaine (Mariana Nunes) também é uma aluna que escolhe os livros para ajudá-la na busca por dias mais tranquilos. Mãe solteira, ela trabalha como prostituta para bancar a família, mas sonha mesmo em ser médica. Por vezes, a sua profissão insiste em tornar esse caminho mais árduo, como quando ela corre o risco de perder uma bolsa de estudos conquistada por mérito próprio ao ter a sua identidade descoberta pelo dono do curso.
Há, ainda, gente batalhadora como Maicon Douglas (Felipe Simas), um motoboy e pai de família que trabalha incansavelmente para sustentar a casa, e que encontra prazer nas letras quando chega a hora da escola. Ou como Solange (Carol Duarte), uma vendedora de doces no trem que, depois de trabalhar o dia todo com a filha no colo, consegue reunir forças para ir ao colégio com a criança.
Por outro lado, Dona Jurema (Teca Pereira) representa a parcela de alunos que, mesmo depois de chegar à terceira idade, entende o quanto é importante e prazeroso se desafiar e dar uma chance para aprender, nem que para isso precise mentir ao marido dizendo ir à igreja todas as noites. Já Javier (Gabriel Diaz) e Alejandra (Rosalva Vanessa), um casal de venezuelanos, a duras penas driblam as dificuldades para se manter em outro país e nem sempre ser bem recebido pelos alunos locais. Tem ainda o Silvio, que escolheu ser morador de rua unicamente pela vontade de estudar: se ele dorme em casa, longe dali, não tem dinheiro para o transporte público até a escola.
Um retrato da realidade
Quem já passou pelos corredores e salas de aula de uma escola pública reconhece as sensações que o espaço provoca. É como se o local tivesse algo a dizer, as mesmas histórias dramáticas e de superação dos alunos e professores que por ali passam. Em ‘Segunda Chamada’, a locação torna-se mais um personagem na trama, emprestando seus principais valores à série: o realismo latente de sua pintura descascada, de suas infiltrações, de seus vidros estilhaçados, de suas pichações nas paredes e a arquitetura vazada e convidativa à entrada do entorno em que está imersa.
A locação da fictícia Escola Estadual Carolina Maria de Jesus é uma construção histórica e simbólica para a capital paulista. O prédio foi erguido nos anos 50 para acolher a Escola do Jockey Club de São Paulo, mas, há mais de 10 anos e depois de servir a colégios particulares, está desocupado. Após uma longa busca, a locação foi descoberta pela diretora artística da série, Joana Jabace, que viu no edifício o lugar ideal para abrigar a história da série não apenas pela instância narrativa, mas também pela licença estética.
Para dar vida à Escola Estadual Carolina Maria de Jesus, a direção de arte dedicou um longo período para observar e visitar ambientais reais. Desta experiência, constatou-se ainda como o amor dos professores pela profissão reflete também na escola, quase como um mantra: quando se tem amor pelo ofício, se tem cuidado pelo espaço.
Do complexo de 3.390 metros quadrados da locação, a direção de arte de ‘Segunda Chamada’ atuou na entrada lateral do prédio os banheiros, no anfiteatro, na sala do diretor, na sala de reunião dos professores, no grande pátio interno, no corredor com lockers de madeira e nas quatro salas de aula do primeiro andar. Para amenizar os estragos do local, foram necessárias aproximadamente 4 semanas de reforma. A principal intervenção foi na pintura, pois todas as paredes internas tinham pichações. Depois da recuperação das paredes, o trabalho foi de envelhecê-las um pouco e recuperar algumas pichações, refeitas por um grafiteiro. Nas salas de aula, os tacos originais de madeira foram recuperados e as placas de vidro das janelas, recolocadas, assim como os espelhos dos banheiros e mais de 40 calhas de luz. A fachada, que é tombada e de cerâmica vermelha como tijolinhos, recebeu uma limpeza especial e posterior “sujeira” do dia a dia e falta de conservação. Elementos como a arquitetura, textura, cores, objetos e paisagens foram estrategicamente articulados a fim de traduzir o percurso e as transformações dos personagens ao longo dos episódios.
Depois do trabalho, a equipe de produção de arte entrou com os móveis e objetos de cena para dar vida aos ambientes. Dentro das salas de aula, cuidou-se também para que o espaço transmitisse vida e uma mensagem de acolhimento e esperança, apesar da precariedade do lugar. Os livros, estantes, materiais escolares e os mais de 150 cartazes feitos a mão foram inseridos para que a ficção conseguisse despertar no público uma mistura de familiaridade, surpresa e reflexão.
Obra a quatro mãos
Carla Faour e Julia Spadaccini se conhecem há mais de 15 anos. O teatro as uniu não só pelas peças em que atuaram, mas pelas obras que escreveram juntas. Julia tem 19 peças autorais, como ‘A porta da frente’, ‘O céu está vazio’ e ‘Os Estonianos’. Já Carla assinou as obras teatrais de ‘Obsessão’, ‘Procópio’, e ‘A arte de Escutar’, que virou livro. Ambas passaram pela Conspiração Filmes, em projetos de séries. Depois, veio a televisão, também juntas, com a colaboração nos roteiros de ‘Tapas & Beijos’ e ‘Chacrinha’, na Globo. Com a parceria profissional já bastante consolidada, a dupla desenvolveu o projeto de ‘Segunda Chamada’, como um grande desafio e uma excelente oportunidade de dar visibilidade a um assunto até então pouco retratado em obras de ficção: o ensino noturno para jovens e adultos.
A série traz um tema de grande relevância social, a Educação, com um recorte no ensino noturno para jovens e adultos. Por que essa decisão? Qual história a série vai contar?
Julia Spadaccini – Em ‘Segunda Chamada’, entraremos no universo das escolas públicas de periferia. Essa é uma realidade que achamos que conhecemos, mas, quando nos aprofundamos, percebemos uma realidade muito maior e mais difícil. Então, na série, veremos de perto todos os desafios enfrentados por quem, de um lado, ensina e, do outro, tem o desejo de voltar a estudar.
Carla Faour – A escola de ‘Segunda Chamada’ vai mostrar a realidade da parte mais negligenciada do sistema educacional porque o ensino noturno é quase o patinho feio da Educação. Ali, estão reunidas as pessoas que não conseguiram terminar os estudos no tempo regular e decidiram encarar uma dupla jornada para se formar, com o cansaço acumulado durante o dia que os acompanha até a sala de aula. Temos ainda a realidade dos professores, que precisam lidar com as mais variadas e repetidas questões, os horários maçantes, a infraestrutura precária e a violência que se faz mais presente ao redor desse tipo de escola. Mas, apesar das dificuldades, a série traz à tona, principalmente, a felicidade e o drama das relações humanas, além, é claro, de mostrar a Educação como agente transformador na vida das pessoas.
Paralelamente, a história traz diversas escolhas e elementos que a marcam: a cidade de São Paulo como pano de fundo, a comunidade na qual a Escola Estadual Carolina Maria de Jesus está inserida e os dramas pessoais dos personagens. Como se deu o processo de pesquisa de vocês, para o desenvolvimento das tramas?
Julia Spadaccini – Foi necessária uma grande dedicação e muita pesquisa para entender esse universo e quem transita por ele. Fizemos muitas visitas a escolas públicas do ensino noturno e conversamos com professores e alunos. Foi um longo percurso, que começou em meados de 2017. As histórias foram livremente inspiradas em fatos reais porque a nossa preocupação sempre foi criar uma obra próxima à realidade. E muito rapidamente entendemos que os problemas deste universo são os mesmos na maioria das grandes cidades brasileiras. O trabalho de pesquisa e referências se concentrou no eixo Rio-São Paulo, mas, para ambientar ‘Segunda Chamada’ na capital paulista, tivemos que entrar mais profundamente na coloquialidade da linguagem da periferia de SP. ‘Segunda Chamada’ foi ambientada em São Paulo porque é a cidade mais diversificada do país e achamos que seria o local ideal para mostrar as muitas vidas que existem dentro da escola.
A partir de uma característica bem marcante do ensino noturno, que reúne pessoas de idades e perfis diversos nas escolas, ‘Segunda Chamada’ aposta em alunos que representam dramas e histórias muito diferentes. Neste contexto, as salas de aula se caracterizam como um microcosmo do próprio Brasil? Como isso foi reforçado?
Carla Faour – A fictícia Escola Estadual Carolina Maria de Jesus é um caldeirão, um local onde ora a convivência é pacífica ora nem tanto. Mas, em sua essência, é um espaço de acolhimento, no qual as pessoas se sente recebidas e inseridas socialmente. Com a série, queremos também ressaltar que aquele aluno que não teve oportunidade de estudar quando deveria merece sim ser educado. Ele tem o direito de deixar de ser analfabeto ou semianalfabeto e lutar por uma oportunidade melhor. Se a série conseguir levantar um pouco esse debate, acho que teremos cumprido a melhor das funções.
Além disso, o elenco é composto por atores maravilhosos e desconhecidos do grande público, escolhidos a dedo por nós e pela Joana Jabace, diretora artística. Fizemos questão de que os personagens fossem interpretados por artistas que pudessem ficar com a cara dos nossos heróis, ou seja, que fossem uma página em branco para o público. É uma série bem realista e nós queríamos muito essa diversidade toda. O panorama geral está lindo.
O que o público verá em cada episódio? Como cada um deles foi construído para inserir tantos personagens marcantes?
Júlia Spadaccini – Em ‘Segunda Chamada’, tudo se passa em uma noite, com mais ou menos três tramas de alunos em destaque, com a costura dos professores e suas histórias e, em segundo plano, os demais alunos. Temos o auge do conflito, que às vezes se soluciona em um único episódio, às vezes deixa um gancho para o próximo. Tudo isso faz com que a história tenha que acontecer em um ritmo mais acelerado.
O que as pessoas podem esperar de Segunda Chamada?
Carla Faour – Acreditamos que o público vai se identificar com a série porque todo mundo tem uma relação com a escola, seja pela presença, seja pela ausência. A maioria das pessoas tem lembranças dessa época, dos professores que marcaram suas vidas, dos amigos que fizeram e das lições de vida que aprenderam. Acho que se conseguirmos entreter e, simultaneamente, valorizar os nossos professores e essas pessoas cheias de vontade de estudar, já vai ser fantástico! Também queremos jogar luz nessa camada mais vulnerável da população, mostrar essa realidade para pessoas que não imaginam como é de fato um ensino noturno, e, claro, emocionar.
Julia Spadaccini – As pessoas podem, com certeza, esperar histórias emocionantes porque, no fundo, são dramas humanos, alguns mais humorados, outros um pouco mais trágicos. É uma história da vida real que vai tocar todo mundo.
Um olhar convicto
A estreia de ‘Segunda Chamada’ marca uma nova etapa na carreira de Joana Jabace: pela primeira vez, ela assina a direção artística de uma obra na Globo. Com 14 anos de trabalho na empresa, Joana coleciona êxitos: a direção de ‘Cordel Encantado’ (2011) e ‘Avenida Brasil’ (2012), a direção geral de ‘A Regra do Jogo’ (2015) e ‘Assédio’ (2018), além de outras parcerias bem-sucedidas com Ricardo Waddington e Amora Mautner, de quem foi assistente em ‘Paraíso Tropical’ (2007), sua primeira novela. Em ‘Segunda Chamada’, ela resgata elementos do início de sua trajetória, quando esteve intimamente ligada ao cinema documental. Ainda durante a faculdade de Jornalismo, Joana trabalhou com Eduardo Escorel e João Moreira Salles e mergulhou no gênero, por meio de filmes como ‘A Vocação do Poder’.
“Quando li as primeiras páginas de ‘Segunda Chamada’, senti imediatamente que iríamos muito além de mostrar questões já conhecidas sobre Educação. Ali, naquele momento, senti que era uma oportunidade de falarmos principalmente sobre as pessoas que fazem a instituição da escola pública respirar, de mostrar os dois lados, alunos e professores, e por esse recorte tão pouco retratado, que é o ensino noturno.
Seria impossível não mostrar a realidade da Educação no Brasil que, muitas vezes, não consegue alfabetizar e formar os jovens no tempo correto. Mas, apesar de dramática, a série é um grande sopro de esperança: mostra tramas muito humanas e dilemas brasileiros, emociona, faz rir e, principalmente, exaltar histórias de superação.
Do ponto de vista da direção, flertei bastante com o docudrama, com um realismo muito forte: optei por gravar toda a série em locação e lutei por uma escola de verdade. Para isso, pesquisei e visitei vários espaços, até encontrar a antiga Escola do Jockey Club de São Paulo. De cara, percebi o ambiente marcado por histórias fortes e, junto com a direção de arte, decidi manter a precariedade do edifício – ele comunica a realidade, mesmo que a nossa seja uma obra de ficção. Cuidei para, desde o início, não perder de vista a fidelidade ao que acontece à nossa volta, já que a escola da série é um espelho de tantas outras no nosso país. Afinal, esse é um tema que nunca deixou de ser extremamente atual.
Durante todo o nosso trabalho, quis destacar a relação entre mestre e estudante, a construção das pontes entre eles, o educador que abre janelas e portas para aquela pessoa que quer aprender. Porque, muito diferentemente de alguém que se educou no tempo regular, não existe a imposição de pais ou responsáveis na realidade do ensino noturno. Os alunos querem, por si mesmos, estar na escola; eles acreditam que vão melhorar de vida estando ali e enxergam na figura do professor um exemplo a ser seguido. Cria-se um elo. A poesia da série está nesse desejo de transformação que envolve tanto os educadores como os estudantes. E a Educação faz tudo isso possível.
Conversei abertamente com os atores, ouvindo e discutindo, para que, juntos, acertássemos o tom das personagens e criássemos essa ligação entre as partes de forma muito natural. A escolha dos atores não foi arbitrária. A opção por escalar figuras pouco conhecidas do grande público, em sua grande maioria, foi feita para que a interpretação e o personagem se sobressaíssem. As grandes estrelas da série são as pessoas que formam o sistema educacional, a verdadeira alma desse universo, que é tão familiar quanto desconhecido.
Foi um trabalho de autoconhecimento também. Por se passar no período noturno, trabalhamos sempre à noite, gravando cenas de uma carga emocional muito grande. A dedicação de toda a equipe, pela convicção de que estávamos fazendo algo muito significativo, me comoveu. Fomos todos tomados por um sentimento muito bonito, que eu particularmente senti a cada cena, e que verdadeiramente fez tudo acontecer.
Eu acho que toda essa emoção e empatia que cada cena provocou em mim vai tocar também quem assistir a série. Na minha opinião, a frase “pessoas são salvas por pessoas” representa perfeitamente todo o conceito de ‘Segunda Chamada’”.
Por Joana Jabace, diretora artística
Perfil dos personagens
Professores
Lúcia (Debora Bloch) – Professora de Língua Portuguesa. Passa a dar aula no período noturno após um drama pessoal. Tem um envolvimento amoroso com Jaci, mesmo sendo casada com Alberto.
Jaci (Paulo Gorgulho) – Diretor da escola. Casado e com um filho, deverá prestar contas da relação extraconjugal que tem com Lúcia.
Eliete (Thalita Carauta) – Professora de matemática. Vive em uma comunidade e também vende produtos na escola para complementar a renda. Amiga de Sônia. Tem uma relação complicada com a filha.
Sônia (Hermila Guedes) – Professora de História e Geografia. Casada com Carlos, tem dois filhos pequenos e sofre constantes agressões do marido. Amiga de Eliete. Envolve-se com o professor de Artes, Marco André.
Marco André (Silvio Guindane) – Professor de Artes, construiu a sua carreira em colégios privados. É contratado por um erro da secretária da escola, mas decide ficar por um forte motivo pessoal. Envolve-se com Sônia.
Paulo (Caio Blat) – Professor de literatura do período diurno. É convidado a substituir a professora Lúcia, quando ela sai de licença.
Alunos
Natasha (Linn da Quebrada) – Transexual, trava uma batalha contra a intolerância e a discriminação dos colegas. Amiga de Renata.
Gislaine (Mariana Nunes) – Mãe solteira, trabalha como prostituta para sustentar a família.
Maicon Douglas (Felipe Simas) – Durante o dia, trabalha como motoboy para manter a família durante o dia e se envolve com drogas.
Solange (Carol Duarte) – Vive uma relação tumultuada com o pai de sua filha e frequenta a escola com a bebê nos braços, gerando certo incômodo em seus colegas.
Rita (Nanda Costa) – Descobre que está grávida e escolhe fazer um aborto por já ter três filhos.
Giraia (José Trassi) – Vende remédios roubados para os colegas.
Dona Jurema (Teca Pereira) – Católica fervorosa, mente para o marido dizendo ir à igreja todas as noites quando, na verdade, vai para a escola.
Silvio (Zé Dumont) – Escolhe ser morador de rua por não tem dinheiro para o transporte público até a escola.
Javier (Gabriel Diaz) e Alejandra (Rosalva Vanessa) – Casal de venezuelanos, sofrem com a intolerância dos alunos que não entendem bem a presença dos estrangeiros.
Márcia (Sara Antunes) e Pedro (Vinícius de Oliveira) – Evangélicos, lidam com suas intolerâncias religiosas e os olhares dos demais estudantes.
Léo (Leonardo Bittencurt) – Filho de Jaci, não aceita o romance do pai com Lúcia.
Renata (Raquel Ferreira) – Amiga de Natasha, a apoia em sua batalha contra o preconceito.
Aline (Ingrid Gaigher) – Sofre agressões do namorado.
Joelma (Ariane Souza) – Tem um conflito com Valquíria.
Valquíria (Georgette Fadel) – Ex-presidiária, não se dá bem com Joelma.
Cleiton (William da Costa) e Gero (Sidney Santiago) – Irmãos, acabam se envolvendo com o crime.
Wallace (Elzio Vieira) – Parceiro de Cleiton.
Marcelo (Artur Volpi) – Filho de Lucia.
Milena (Duda Carvalho) – Melhor amiga de Marcelo.
Demais personagens
Carlos (Otávio Muller) – Marido de Sônia. Desempregado e violento com a mulher.
Alberto (Marcos Winter) – Marido de Lúcia. Sofre um AVC, após uma tragédia familiar.
Inspetor Russo (Rodolfo Mesquita) – Funcionário da escola.